Num pequeno poema de Mário Quintana,
o primeiro verso dá um bom exemplo do que seja licença poética: a desobediência
às leis gramaticais em prol da melhor expressão de um sentimento ou apenas da
boa musicalidade. O verso original é este:
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Só o hábito de ler bons autores com
frequência possibilita perceber a sutileza contida numa licença poética como
esta.
Pelo Facebook, já recebi de mais de
uma fonte uma versão piegas do poema original. A versão naturalmente altera o
verso inicial (que fica sendo A vida são
uns deveres...), piora o texto e termina com o acréscimo de alguns
pensamentos banais sobre o amor – coisa que Mário Quintana nunca escreveu.
A internet infelizmente é uma fonte de
baixíssima confiabilidade. Há sempre alguém “melhorando” algo a seu bel-prazer,
sem nenhum respeito pela autenticidade do que publica e, sobretudo, sem nenhum
respeito pelo direito autoral.
A quem interessar possa, aqui vai o
poema original de Mário Quintana – cujo título é Seiscentos e sessenta e seis, e não outro inventado por aí:
A vida é uns deveres que trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ª feira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora é tarde para ser reprovado...
E se me dessem – um dia – outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio,
seguia sempre, sempre em frente.
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil
das horas.
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