02 novembro 2014

Da Vinci e o Código Bananére: A propósito de certo passeio ao Hopi Hari

Da Vinci e o Código Bananére: A propósito de certo passeio ao Hopi Hari

A propósito de certo passeio ao Hopi Hari

Nesta quinta-feira passada, fui a uma escola da Zona Norte de São Paulo e, chegando lá, tive a desagradável surpresa de verificar que não havia aulas. O motivo da falta de alunos foi o que mais me surpreendeu: acontecia, na ocasião, uma excursão ao Hopi Hari.
Fala-se tanto em melhorar a educação no País, as manifestações de rua do ano passado bateram muito nessa tecla, todos os candidatos das últimas eleições apregoaram grande preocupação com o tema – e me deparo com quê? Com um passeio ao Hopi Hari em dia de aula.
O que há de contribuição cultural nisso eu não consigo ver.
O que me intriga, então, é a pergunta: quem ganha com tal iniciativa?
Os alunos eu diria que não! Somente foram ao passeio aqueles que puderam pagar a excursão e aos demais restou a opção de comparecer às aulas. Obviamente, não compareceram. Considerando que há uma favela nas proximidades da escola e que dela provém grande parte dos alunos, tem-se de cara uma forte exclusão dos menos favorecidos. Mais antipedagógico impossível.
Por enquanto, parece-me que saíram ganhando apenas o Hopi Hari, que vendeu os ingressos, e a empresa de turismo, que levou a criançada. Ou seja, uma jogada comercial prevaleceu sobre a educação. Quem mais?

Não sei detalhes de onde veio o dinheiro para pagar os ônibus, mas isso pouco me importa, nem pesquisei para saber. Tampouco estou interessado em partidarizar o tema. Apenas acho tudo isso muito estranho e lamento que num simples episódio como esse a educação tenha ido mais uma vez para o ralo. 
A falta de seriedade vem à tona em episódios como esse.

30 agosto 2014

Licença poética

Num pequeno poema de Mário Quintana, o primeiro verso dá um bom exemplo do que seja licença poética: a desobediência às leis gramaticais em prol da melhor expressão de um sentimento ou apenas da boa musicalidade. O verso original é este:
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Só o hábito de ler bons autores com frequência possibilita perceber a sutileza contida numa licença poética como esta.
Pelo Facebook, já recebi de mais de uma fonte uma versão piegas do poema original. A versão naturalmente altera o verso inicial (que fica sendo A vida são uns deveres...), piora o texto e termina com o acréscimo de alguns pensamentos banais sobre o amor – coisa que Mário Quintana nunca escreveu.
A internet infelizmente é uma fonte de baixíssima confiabilidade. Há sempre alguém “melhorando” algo a seu bel-prazer, sem nenhum respeito pela autenticidade do que publica e, sobretudo, sem nenhum respeito pelo direito autoral.
A quem interessar possa, aqui vai o poema original de Mário Quintana – cujo título é Seiscentos e sessenta e seis, e não outro inventado por aí:

A vida é uns deveres que trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ª feira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora é tarde para ser reprovado...
E se me dessem – um dia – outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio,
seguia sempre, sempre em frente.

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil
das horas.


Licença poética

Num pequeno poema de Mário Quintana, o primeiro verso dá um bom exemplo do que seja licença poética: a desobediência às leis gramaticais em prol da melhor expressão de um sentimento ou apenas da boa musicalidade. O verso original é este:
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Só o hábito de ler bons autores com frequência possibilita perceber a sutileza contida numa licença poética como esta.
Pelo Facebook, já recebi de mais de uma fonte uma versão piegas do poema original. A versão naturalmente altera o verso inicial (que fica sendo A vida são uns deveres...), piora o texto e termina com o acréscimo de alguns pensamentos banais sobre o amor – coisa que Mário Quintana nunca escreveu.
A internet infelizmente é uma fonte de baixíssima confiabilidade. Há sempre alguém “melhorando” algo a seu bel-prazer, sem nenhum respeito pela autenticidade do que publica e, sobretudo, sem nenhum respeito pelo direito autoral.
A quem interessar possa, aqui vai o poema original de Mário Quintana – cujo título é Seiscentos e sessenta e seis, e não outro inventado por aí:

A vida é uns deveres que trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ª feira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora é tarde para ser reprovado...
E se me dessem – um dia – outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio,
seguia sempre, sempre em frente.

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil
das horas.


16 agosto 2014

Uma fábula (muito) contemporânea

No tempo em que os animais falavam, reuniram-se certa vez, numa terra distante chamada Bambilândia, o frango, o pato e o ganso. Buscavam uma saída para a insolúvel questão da fragilidade avícola. Chamavam-se pelo nome:
– A natureza foi injusta conosco. Temos asas, como qualquer ave, mas não sabemos voar – reclamou o ganso Henrique.
– Isso nos torna presa fácil do terrível gavião – completou o pato Alexandre.
– Mas vocês dois pelo menos podem fugir para a água – rebateu o frango Rogério.
– E adianta? Há até peixe querendo nos pegar.
No calor da conversa e sentindo-se abrigados sob o arbusto murici, os três não perceberam a proximidade do porco e foram devorados.

27 julho 2014

Os menino pega o peixe

Sempre que leio sobre propostas de simplificação da Língua Portuguesa, acho que elas estão imbuídas de segunda intenção. Os proponentes, ao dizerem uma coisa, pretendem na verdade colher outra – mais poder, muito provavelmente.
No Senado, há um grupo de trabalho que quer mudar o recente Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa com o objetivo de tornar o idioma “claro e acessível a todos”. De duas, uma: ou os integrantes do grupo de trabalho não leram o Acordo ou não o entenderam. Se não o leram, que o leiam de ponta a ponta. Se não o entenderam, que voltem aos bancos de escola. Mas o mais provável mesmo é que estejam a serviço de segundas intenções. Seria possível  apenas para tomar um exemplo  tornar “acessível a todos” uma argumentação de ministro do Supremo Tribunal Federal? Não, simplesmente porque seu vocabulário é técnico e cada termo empregado tem um significado preciso. Nem poderia ser diferente. 
Muita gente também não consegue entender um parágrafo com mais de três linhas porque o considera confuso. Ora, confuso é o leitor, não o parágrafo.
O tal grupo de trabalho no Senado defende ainda “a necessidade de uma língua mais abrangente e democrática que promova a inclusão social”. Isso me soa como um grande contrassenso: língua mais abrangente é exatamente aquela com vocabulário mais rico e que, por isso mesmo, consegue abranger um universo maior de ideias.
Um dos defensores da simplificação ortográfica argumenta que ela “é a porta para a eliminação do analfabetismo”. Por mim, a porta para a eliminação do analfabetismo é pura e simplesmente... a alfabetização. O resto vem depois. Não há necessidade de empobrecer o idioma com simplificações de qualquer natureza, se o objetivo é alfabetizar.


21 julho 2014

Uma lei muito estranha

Entre os projetos aprovados pela Câmara dos Deputados no primeiro semestre está a Lei 13.006/14, de 26 de junho, que torna obrigatória a exibição de filme nacional nas escolas de Educação Básica. Ali está, ipsis litteris, no Art. 26, § 8º: “A exibição de filmes nacionais constituirá componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais”.
O absurdo da proposta nada fica a dever à justificativa dada pelo autor do projeto, o senador Cristovam Buarque, do PDT, que argumentou: “O Brasil precisa criar o gosto pelo cinema e ampliar a indústria cinematográfica”. O pior é que toda a argumentação subsequente do senador insiste apenas na necessidade de fortalecer tal indústria – ou seja, o aspecto econômico prevalece, e muito, sobre o da educação.
Não sei a quais interesses do mercado serve esse projeto (que é de 2008) do senador, nem qual é o ganho político dele com isso, mas dá para perceber que educação não tem prioridade no seu raciocínio.
Não custa lembrar, ainda, que o projeto do senador foi aprovado pela Câmara dos Deputados, o que equivale a dizer que há muito mais cabeças coroadas dando pleno aval a essa patacoada toda.
Enquanto isso, o Brasil vai apanhando, mais uma vez de 7x1, no ranking internacional do Pisa (sigla inglesa do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). Em 2012, informa o Estadão, num ranking de 65 países, o Brasil ficou em 55º lugar em leitura, 58º em matemática e 59º em ciências.
Faço trabalho voluntário em duas escolas da rede pública de ensino e fico pasmo de ver como há tantas crianças com idade acima de 13 anos que mal sabem ler nem escrever. Algumas são completamente analfabetas e dão impressão de estarem chegando à escola pela primeira vez.
Esse é o quadro que temos que reverter – e urgentemente. Dá quase para dizer que uma geração de estudantes já se perdeu. Vamos lutar pela próxima!
A indústria cinematográfica que se vire, arrume patrocínios, faça filmes de qualidade e encha as salas de cinema pelo atrativo dos resultados. Escola não é para isso!

11 abril 2014

O professor e a popozuda



Uma recente prova de filosofia de uma escola do Distrito Federal incluiu a seguinte questão (ipsis litteris):
“11 – Segundo a grande pensadora contemporânea Walesca Popozuda, se bater de frente:
a)       É só tiro, porrada e bomba
b)      É só beijinho no ombro
c)       É Recalque
d)      É vida longa”.
A explicação dada ao jornal Correio Braziliense pelo autor da questão já por si mesma é deplorável. Diz ele, segundo a reportagem, que “o primeiro objetivo era criar uma polêmica com a imprensa”. Eu imaginava que a primeira missão de um professor fosse educar. Aqui não! Parece que o objetivo da prova foi atrair holofotes sobre o professor. A educação que ficasse em segundo plano. Ele deve ser muito popular mesmo, porque “os estudantes entenderam a sua intenção”.
O professor prossegue com um juízo de valor que é de fazer chorar. Diz ele, na reportagem: “Qualquer ser humano que consegue formar um conceito é um pensador. Ela tem formado conceitos, portanto, Valesca é uma pensadora”. Sim, a partir desta premissa, todo ser humano é um pensador. Mas ele fez uma distinção, mesmo assim, pois escreveu “grande pensadora”! Faltou seriedade ao escrever a questão e ao justificá-la!
O professor confundiu bordão (“beijinho no ombro”) criado por equipes de marketing com pensamento filosófico.
Outro aspecto pouco lembrado, na prova de filosofia, é o fato de a questão citada ser de múltipla escolha. Ou seja, não exige reflexão (indispensável em toda aula de filosofia), mas simples memorização... e memorização de uma absoluta banalidade.
A televisão não deixou por menos: toda reportagem sobre a tal prova dedicava mais preciosos segundos a mostrar clipes da “pensadora” de plantão do que a discutir o problema da educação.
Sinceramente, acredito que o professor da citada prova seja uma pessoa competente e bem intencionada. Mas não teve a humildade suficiente de reconhecer a superficialidade do que fez e buscou justificativas que agradaram a alguns seguidores.
Dou aulas para crianças de sétima e oitava séries e fico abismado como muitas delas não sabem ainda nem escrever o próprio nome. É um retrato mais grave dos problemas que temos. A educação de modo geral vai por ladeira abaixo, a ponto de uma bobagem como a questão acima ser defendida por muitos como prova de modernidade do ensino. O incidente é apenas sintoma de um mal maior, a péssima qualidade da educação no País, mal tão banalizado que já foge à percepção em geral.
Tudo bem, logo mais o Brasil terá Copa e seremos todos felizes ─ principalmente os alunos, dispensados de comparecer às aulas nos dias de jogo do Brasil. Afinal, ninguém é de ferro e a educação pode esperar!