27 julho 2014

Os menino pega o peixe

Sempre que leio sobre propostas de simplificação da Língua Portuguesa, acho que elas estão imbuídas de segunda intenção. Os proponentes, ao dizerem uma coisa, pretendem na verdade colher outra – mais poder, muito provavelmente.
No Senado, há um grupo de trabalho que quer mudar o recente Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa com o objetivo de tornar o idioma “claro e acessível a todos”. De duas, uma: ou os integrantes do grupo de trabalho não leram o Acordo ou não o entenderam. Se não o leram, que o leiam de ponta a ponta. Se não o entenderam, que voltem aos bancos de escola. Mas o mais provável mesmo é que estejam a serviço de segundas intenções. Seria possível  apenas para tomar um exemplo  tornar “acessível a todos” uma argumentação de ministro do Supremo Tribunal Federal? Não, simplesmente porque seu vocabulário é técnico e cada termo empregado tem um significado preciso. Nem poderia ser diferente. 
Muita gente também não consegue entender um parágrafo com mais de três linhas porque o considera confuso. Ora, confuso é o leitor, não o parágrafo.
O tal grupo de trabalho no Senado defende ainda “a necessidade de uma língua mais abrangente e democrática que promova a inclusão social”. Isso me soa como um grande contrassenso: língua mais abrangente é exatamente aquela com vocabulário mais rico e que, por isso mesmo, consegue abranger um universo maior de ideias.
Um dos defensores da simplificação ortográfica argumenta que ela “é a porta para a eliminação do analfabetismo”. Por mim, a porta para a eliminação do analfabetismo é pura e simplesmente... a alfabetização. O resto vem depois. Não há necessidade de empobrecer o idioma com simplificações de qualquer natureza, se o objetivo é alfabetizar.


21 julho 2014

Uma lei muito estranha

Entre os projetos aprovados pela Câmara dos Deputados no primeiro semestre está a Lei 13.006/14, de 26 de junho, que torna obrigatória a exibição de filme nacional nas escolas de Educação Básica. Ali está, ipsis litteris, no Art. 26, § 8º: “A exibição de filmes nacionais constituirá componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais”.
O absurdo da proposta nada fica a dever à justificativa dada pelo autor do projeto, o senador Cristovam Buarque, do PDT, que argumentou: “O Brasil precisa criar o gosto pelo cinema e ampliar a indústria cinematográfica”. O pior é que toda a argumentação subsequente do senador insiste apenas na necessidade de fortalecer tal indústria – ou seja, o aspecto econômico prevalece, e muito, sobre o da educação.
Não sei a quais interesses do mercado serve esse projeto (que é de 2008) do senador, nem qual é o ganho político dele com isso, mas dá para perceber que educação não tem prioridade no seu raciocínio.
Não custa lembrar, ainda, que o projeto do senador foi aprovado pela Câmara dos Deputados, o que equivale a dizer que há muito mais cabeças coroadas dando pleno aval a essa patacoada toda.
Enquanto isso, o Brasil vai apanhando, mais uma vez de 7x1, no ranking internacional do Pisa (sigla inglesa do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). Em 2012, informa o Estadão, num ranking de 65 países, o Brasil ficou em 55º lugar em leitura, 58º em matemática e 59º em ciências.
Faço trabalho voluntário em duas escolas da rede pública de ensino e fico pasmo de ver como há tantas crianças com idade acima de 13 anos que mal sabem ler nem escrever. Algumas são completamente analfabetas e dão impressão de estarem chegando à escola pela primeira vez.
Esse é o quadro que temos que reverter – e urgentemente. Dá quase para dizer que uma geração de estudantes já se perdeu. Vamos lutar pela próxima!
A indústria cinematográfica que se vire, arrume patrocínios, faça filmes de qualidade e encha as salas de cinema pelo atrativo dos resultados. Escola não é para isso!