30 junho 2011
Sobre a arte de redigir
Nesta semana, saiu um belo anúncio sobre sustentabilidade assinado pela agência Ogilvy. Anúncio enxuto, com uma bela foto, título incisivo e... um longo texto.
Aí me lembrei justamente do criador da agência, David Ogilvy, que insistia no conceito de que um bom anúncio pode, sim, ter texto longo. Ele redigia muito bem, aliás. Texto longo conduz o leitor à reflexão, é mais convincente e cria uma imagem institucional sólida para o anunciante.
Isso já ia na contramão dos comunicólogos de plantão há muitos anos e agora muito mais, em tempos de Twitter, Facebook e similares da internet.
Evidentemente, escrever um texto longo de qualidade requer solidez de argumentação, musicalidade, correção gramatical impecável (isso mesmo!) e atratividade de modo geral. Um pouco de humor não é imprescindível, mas na dose certa ajuda bastante.
Esse é o tipo de desafio que gosto de ter pela frente.
25 junho 2011
Lasciate ogna (!) speranza, arghh!
20 junho 2011
Raciocínio Americano, que bicho é esse?
Num conto de humor que escrevi há anos e nunca publiquei, chamei de Raciocínio Americano certa forma de argumentação baseada numa comparação arbitrária. O “americano” aí entra por conta do hábito cultural americano mesmo de fazer gracinha tecendo comparações descabidas mas com a intenção de parecer, com isso, dar uma informação objetiva.
David Ogilvy (1911-1999), por exemplo, que é considerado um dos grandes gênios da publicidade, também escorregou no Raciocínio Americano em sua autobiografia: comparou o rosto de um dos personagens do livro a algo como “um sapo amanhecido”. Bobagem total! Alguém reconheceria na rua uma pessoa por ter sido ela descrita como um “sapo amanhecido”?
Tudo isso me veio à mente ao ler a notícia de que um juiz de Goiás anulou uma união gay e, na argumentação, afirmou que reconhecê-la é o “mesmo que admitir que um determinado vocalista de banda de rock fizesse a exposição de seus órgãos íntimos em público”.
Sem entrar no mérito da questão, convenhamos: dá para fundamentar um parecer jurídico com uma comparação desse naipe?
Eta Raciocínio Americano!
19 junho 2011
Jornalismo e credibilidade
A empresa de consultoria alemã GFK divulgou nesta semana os índices de confiança de profissões e instituições no Brasil, tecendo um comparativo entre os resultados de 2010 e 2011. Das 20 categorias pesquisadas (já comentei no Facebook o fato de os bombeiros terem mantido a primeira colocação), somente três tiveram queda daquele para este ano: jornalistas (do 5º ao 7º lugar), profissionais de marketing (do 8º ao 11º lugar) e advogados (do 13º ao 14º lugar).
Evidentemente, não me agrada nem um pouco ver minha categoria caindo de posição.
Mas uma explicação pode estar no fato de que a fonte de notícia hoje já não são mais os jornalistas e sim todo cidadão que tiver um blog, um site, um e-mail, qualquer coisa que o ligue ao mundo via internet. Ou seja: o que vem perdendo credibilidade são as fontes de notícias.
Há pouco, por exemplo, veio à tona a verdadeira identidade de Amina Abdullah, a garota gay em Damasco: trata-se do americano Tom MacMaster. O canalha, naturalmente, logo terá inventado a desculpa de que inventou a garota gay em protesto por sabe-se lá o quê, só não reconhece ser um desonesto até o osso.
Mas se há alguém que inventa fatos o tempo todo é porque há público. Falta senso crítico de modo geral àqueles que simplesmente passam adiante qualquer bobagem, seja ela edificante, repugnante ou cômica. Qualquer um que já tenha pesquisado algo no Google pode comprovar isso. Como resultado, vem imediatamente um monte de “autores” com textos absolutamente iguais, a ponto de não se poder saber quem escreveu o original. Copia-se apenas.
Se as pessoas fossem menos crédulas e tivessem melhor senso crítico em relação às fontes, talvez não caísse a credibilidade dos jornalistas – os verdadeiros, evidentemente, aqueles que checam toda informação antes de divulgá-la na imprensa.
18 junho 2011
Tenho raiva de "você".
Tenho particular ojeriza por um dos hábitos mais comuns nas falas de hoje em dia, especialmente quando um indivíduo é entrevistado: o de dizer você sem se referir exatamente ao entrevistador.
Se, por exemplo, se pergunta a um fumante quantos cigarros ele fuma por dia, lá vêm frases como: “Eu fumo só dois. Quando você fuma mais que isso, patati patatá...”
Você, nesse tipo de fala, costuma significar tanto eu como alguém. Isso, aliás, já faz parte também dos textos literários, sejam eles originalmente em português ou traduções. Textos ruins, de mau conteúdo, ficam moderninhos quando escritos assim!
Algo semelhante, mas não igual, acontece em italiano (lei, Lei) e em alemão (sie, Sie), mas isso é outra história.
Qual a origem dessa confusão gramatical na fala brasileira? Arrisco duas explicações.
A primeira: parece-me se tratar da substituição, por certa confusão sonora, do se (pronome impessoal) por você. É o que se aplica ao exemplo citado acima, não esquecendo que ali pode também estar o significado de eu.
A segunda: acho sobretudo que isso é também o reflexo da enorme mudança cultural recente caracterizada pelo notável avanço dos meios de comunicação. Hoje, todo cidadão parece estar se dirigindo para os outros, seja dando entrevista, seja se expondo em Facebook, Orkut e tudo o mais. Os valores também mudaram e até a intimidade, antes um valor preservado com rigor e máximo cuidado, hoje é repudiada como isolamento, e muitas pessoas se orgulham mesmo de escancarar as próprias mazelas.
Essa perda de identidade pelo mergulho no coletivo faz com que as pessoas percam a noção do eu e se sintam como que fazendo parte de um todo. Daí o eu ter-se tornado você. Mas isso, infelizmente, não dá a ninguém a individualidade necessária. Ao contrário, agrava o quadro de conformidade (de que falava Erich Fromm), que anula a capacidade de amar.
Quando o indivíduo perde o sentido do eu, perde também o sentido do outro.