Tenho particular ojeriza por um dos hábitos mais comuns nas falas de hoje em dia, especialmente quando um indivíduo é entrevistado: o de dizer você sem se referir exatamente ao entrevistador.
Se, por exemplo, se pergunta a um fumante quantos cigarros ele fuma por dia, lá vêm frases como: “Eu fumo só dois. Quando você fuma mais que isso, patati patatá...”
Você, nesse tipo de fala, costuma significar tanto eu como alguém. Isso, aliás, já faz parte também dos textos literários, sejam eles originalmente em português ou traduções. Textos ruins, de mau conteúdo, ficam moderninhos quando escritos assim!
Algo semelhante, mas não igual, acontece em italiano (lei, Lei) e em alemão (sie, Sie), mas isso é outra história.
Qual a origem dessa confusão gramatical na fala brasileira? Arrisco duas explicações.
A primeira: parece-me se tratar da substituição, por certa confusão sonora, do se (pronome impessoal) por você. É o que se aplica ao exemplo citado acima, não esquecendo que ali pode também estar o significado de eu.
A segunda: acho sobretudo que isso é também o reflexo da enorme mudança cultural recente caracterizada pelo notável avanço dos meios de comunicação. Hoje, todo cidadão parece estar se dirigindo para os outros, seja dando entrevista, seja se expondo em Facebook, Orkut e tudo o mais. Os valores também mudaram e até a intimidade, antes um valor preservado com rigor e máximo cuidado, hoje é repudiada como isolamento, e muitas pessoas se orgulham mesmo de escancarar as próprias mazelas.
Essa perda de identidade pelo mergulho no coletivo faz com que as pessoas percam a noção do eu e se sintam como que fazendo parte de um todo. Daí o eu ter-se tornado você. Mas isso, infelizmente, não dá a ninguém a individualidade necessária. Ao contrário, agrava o quadro de conformidade (de que falava Erich Fromm), que anula a capacidade de amar.
Quando o indivíduo perde o sentido do eu, perde também o sentido do outro.
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